“É um desafio falar de leitura no Brasil”

Por Ivani Cardoso
Em uma quinta-feira de abril, Luís Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro, contou histórias para crianças no ginásio esportivo de Barueri, na região metropolitana de São Paulo. Ele participou da mobilização Dia de Ler. Todo Dia! e com ele foi uma caravana de escritores que participaram de atividades de leitura e contação de histórias, ao longo de todo dia. Para o novo presidente da CBL, o incentivo à leitura deve estar em toda parte e é preciso mostrar experiências de leitura de sucesso e procurar soluções para o grande desafio da leitura no Brasil. Mesmo familiarizado com a CBL, onde participou nas últimas duas diretorias, e como ex-presidente da Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL), ele sabe que este ano será preciso muita criatividade e união de todas as cadeias produtivas e Governo para melhorar o panorama que, desde 2014, aparece sombrio para o mercado. Ao contrário de muitas pessoas que têm belas histórias para contar sobre o início da paixão pelos livros, a dele é bem diferente: “Minha primeira relação com o livro, e eu sei que de muita gente, foi de ódio. O livro era o objeto de cobranças na escola. Eu nasci no Rio de Janeiro e fui com minha família morar no Sul, mas nas férias sempre vínhamos para o Rio. Na bagagem vinham junto seis ou sete livros que a professora dava como leitura para as férias. Era um horror, nem sabia ler direito e ainda tinha que enfrentar a possibilidade de ler e falar sobre eles na frente da classe na volta das férias. Eu não conseguia ler, minha irmã mais velha é que lia e fazia resumos para mim”. Ainda bem que um dia, por acaso, ele encontrou o livro que o irmão mais velho estava lendo, um grande sucesso na época, Eram os deuses astronautas, de Erich von Däniken, e finalmente o mundo da leitura se abriu: “Meu pai quando me viu lendo esse livro disse que não era para mim, mas eu achei o tema muito legal e pela primeira vez eu li um livro com prazer e até o fim. Depois esse meu irmão, que era meu exemplo, me emprestou Capitães de areia, do Jorge Amado, e vieram outros. Por isso sei que o mais importante é quebrar essa relação tensa com o livro, você começa a ler quando encontra seu autor e seu tema. Meus filhos hoje leem muito. Minha filha é uma grande leitora e passou essa paixão para meus netos.” E quando vem a pergunta sobre a tecnologia e a leitura, ele é taxativo: “Acho que a tecnologia e os novos suportes ajudam os jovens a se aproximarem da leitura. Conheço pessoas que começaram a ler muito mais com o livro digital.”

É um desafio assumir a CBL?
É um desafio falar em leitura aqui no Brasil. Em 2003, eu resolvi me empenhar um pouco mais no que eu acreditava e sempre acreditei. A questão do livro e da leitura não é só da indústria, é um tema do País como um todo. Estava na época na ABDL e coincidiu com a assinatura do Plano Nacional do Livro e da Leitura, quando comecei a ir mais para Brasília e a participar das ações do mercado editorial. Aconteceu troca de ministro e a conclusão foi óbvia, se ficássemos apenas aguardando não aconteceria nada, como não aconteceu. E passamos por vários ministros, o Gilberto Gil, o Juca Ferreira, a Marta Suplicy e agora o Juca novamente. Nenhum deles posso dizer que teve má vontade, mas a própria política e a máquina emperrada como um todo trazem uma enorme frustração. Temos um documento maravilhoso que é o PNLL e não conseguimos colocar em prática. A CBL tem toda a estrutura para mudar essa situação, é voltada para isso, congrega toda a cadeia produtiva, autores, sócios, livreiros, distribuidores, editores. Acho que o diálogo é mais fácil para que possamos ser proponentes, temos que buscar nossos leitores.

E como fazer isso?
Há muitas ações pelo Brasil agora de resultados extraordinários e que não se replicam. Fica uma coisa aqui e outra ali. Por que não aproveitar essas experiências? Temos o exemplo da Jornada de Passo Fundo, vemos em outros países bibliotecas lotadas de jovens. Estamos garimpando aqui na CBL tudo o que está sendo feito de boas propostas. Temos uma biblioteca no Acre que está sempre cheia, funciona à noite. Com isso tudo mapeado vamos chamar ou vamos até essas pessoas para trocar ideias e organizar um fórum, um workshop, chamando essas pessoas. As universidades também têm muita coisa boa voltada para a leitura. Em outros países como o Chile e a Colômbia temos pessoas que fazem um ótimo trabalho nessa área de biblioteca. Vamos reunir essas pessoas e, a partir daí, propor um amplo projeto para incentivar a leitura.

E as bibliotecas?
É um grande problema no Brasil. Todo governo diz que vai investir em bibliotecas mas nada acontece. E sabemos que não basta colocar livros na biblioteca, precisamos de pessoas bem formadas, bibliotecários apaixonados. Falta uma política para bibliotecas, não adianta só boa vontade. Percebemos que vira um cabide para aposentar professores que ninguém quer mais na escola, bibliotecas que só abrem meio período. A biblioteca tem que ser uma coisa viva, com movimento. Precisa ter um acervo que seja criado por uma boa bibliotecária. A CBL também quer agir nessa área e não ficar aguardando o que vem de Brasília.

O Governo é o parceiro ideal?
A leitura não é uma questão da indústria, claro que queremos vender livros, mas para mudar alguma coisa nesse Brasil é preciso investir na educação. Queremos fazer alguma coisa junto com o Governo. Tivemos uma conversa recente com o ministro da Cultura, Juca Ferreira, e ele disse que faltam projetos com começo, meio e fim e próximos da realidade. Precisamos formatar esses projetos inclusive com os investimentos previstos. O Governo também aguarda isso, precisamos fazer o dever de casa e não ficar esperando que o Governo resolva o problema. Não podemos mais ficar só esperando, precisamos urgente de novos leitores. Temos um acervo maravilhoso e ótimos autores. Temos todos os ingredientes para tornar esse projeto viável.

E a questão da Educação?
É preciso parar com o discurso de que o livro é caro e que o aluno não lê porque o professor não lê. Precisamos parar com essa bobagem. Meu sobrinho, que é da área de Marketing, costuma dizer que é engraçado a situação do mercado editorial, porque se qualquer outro negócio você tiver 60 milhões de pessoas que nunca tiveram acesso a um bem essencial seria o paraíso do marqueteiro. Nós temos 60 milhões de pessoas que nunca leram um livro e não aproveitamos para ampliar esse mercado. É um mercado maravilhoso, temos que ir atrás. Mas essas ações não podem ser isoladas. Temos que envolver também o Ministério da Educação, as secretarias estaduais de Cultura e Educação para mostrar que não é suficiente o fato de o Governo comprar livros no Brasil. Sim, é maravilhoso ter programas governamentais, e o mundo inteiro acha que sim, mas não é só.

O que esperar de 2015? 
Há suspensão de programas e atraso nos pagamentos do Governo.
Sabemos dos problemas com pagamentos e da previsão de retração no mercado editorial. O ministro já admitiu que o Ministério da Educação vai cooperar, sabemos que vai ser um ano difícil. A inadimplência começou a ficar perigosa porque nós tínhamos solucionado e agora começou de novo. As grandes redes têm custos altíssimos com lojas em shoppings e ficamos preocupados porque não estamos vendo a luz no fim do túnel.

O que a CBL pode fazer?
Temos feiras de livros espalhadas por todo o Brasil, principalmente no
Rio Grande do Sul. Podemos promover outras atividades para incentivar a leitura em todo o País. Meu programa prevê a realização em São Paulo de uma feira de livros mais próxima do público, independente da Bienal, uma feira de livro no Parque Ibirapuera, por exemplo. Precisamos de autorização, mas acho viável, é a CBL, uma entidade do livro e da leitura que está propondo. As leituras no parque devem continuar. Eu lembro que frequentava o Ibirapuera e ficava com meus filhos pequenos participando de atividades de leitura e a orquestra municipal tocando lá no fundo, era lindo. Nós já tivemos reunião com o secretário estadual da Educação que gostou muito da ideia para ser realizada em conjunto. Agora vamos nos reunir também com o secretário municipal. Para a indústria será muito bom porque uma feira assim sai muito mais barato do que uma bienal para os participantes. Não podemos desanimar, temos que buscar o protagonismo nas ações.

Será uma gestão mais voltada para o público interno?
A gestão anterior foi muito feliz em ações internacionais. Viemos da Feira de Paris e foi excelente. A Karine Pansa vai continuar a desenvolver essa participação internacional. O Brasil sempre foi comprador de livros e nunca vendedor de direitos e sabemos que não é simples, mas temos um dever de casa para fazer. Uma das nossas prioridades é resolver a questão do catálogo internacional da produção literária brasileira, com uma plataforma eficiente. O Brasil não tem uma base de dados de sua produção literária para que essas informações sejam disponibilizadas de forma prática. Numa feira como a de Frankfurt, por exemplo, os nossos livreiros e editores não têm esses dados, por incrível que pareça. Esse projeto a Câmara está começando a organizar de forma parecida como é feito na França ou na Alemanha. Tivemos uma iniciativa chamada Canal há alguns anos que não foi para a frente. Na gestão anterior concluímos que não era o momento de insistir nisso e passamos a pesquisar para ver o que está mais próximo da nossa realidade. Vamos providenciar esses contatos e ir atrás do dinheiro.

É uma operação complexa não?
É uma operação complexa porque envolve muitos setores, precisa de investimento e deve ser feita em parceria com a Biblioteca Nacional, que detém o ISBN. Tudo isso será agilizado, precisamos aproveitar a tecnologia para modernizar as ações, inclusive aproveitando a experiência de grandes empresas que atuam com cadastros nesta área de livros para uniformizar o cadastramento em uma única fonte. Cada um foi desenvolvendo o seu programa e agora é a hora de unificar essas informações.

Na literatura infantil e juvenil, como está o mercado?
O retorno está muito bom nessa área. Vemos uma produção de qualidade, livros maravilhosos, autores e ilustradores. Não precisamos melhorar nossa produção, nossa base está formada. Infelizmente esse mercado também será afetado pela crise durante esse ano, ninguém sabe o que vem pela frente. Espero que isso se acomode o mais rápido possível, está tudo muito confuso em Brasília, acho que teremos um ano bem complicado.

Há um projeto para se aproximar mais dos associados?
Pretendemos chamar os associados e ir divulgando tudo o que estamos fazendo, muitas vezes os associados nem imaginam. No caso de uma feira como a de Paris, por exemplo, alguns autores e editores não têm muita noção do que acontece, o trabalho e a estrutura para organizar um evento como esse fora do Brasil é enorme.

NOTÍCIA ORIGINAL: “É um desafio falar de leitura no Brasil”, diz Torelli – Contec Brasil – Ivani Cardoso – 13/4/2015
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